O comércio é uma atividade humana praticada pelas sociedades desde os primórdios da evolução. Se num primeiro momento as trocas eram feitas entre produtos negociados por comunidades inteiras, com o passar do tempo elas passaram a ter como base uma moeda comum e serem praticadas de forma individual, de família para família. De uma maneira ou de outra, essa atividade é uma característica da civilização e influencia inclusive nossa forma de organização territorial. Historicamente praticada em espaços externos, são muitas as configurações espaciais que foram definidas a partir da atividade comercial.
O escambo, que está na gênese das práticas comerciais que conhecemos hoje, nasce a partir do excesso de produção por subsistência de um determinado item, o qual começa a ser trocado por outro item produzido em excesso por uma comunidade vizinha. Antigamente o escambo incluía alimentos, tecidos e temperos e acontecia tanto dentro de um mesmo território, como também por meio de viajantes que traziam novos produtos por meio das estradas que conectavam os pequenos assentamentos. Com o adensamento desses aglomerados, a atividade comercial tornou-se uma referência espacial para o território.
De forma geral as civilizações antigas tinham formas parecidas de organizar suas atividades comerciais. Praticada geralmente em ruas e espaços abertos, o objetivo era que existisse encontro entre os vendedores e os compradores. Por um lado, criavam espaços coletivos onde os produtores de alimentos pudessem encontrar sua clientela, em mercados ou feiras de rua, e, por outro os artesãos montavam suas oficinas em pequenas edificações pela cidade, onde também comercializavam seus produtos.
Alguns espaços resistem com suas características originais até hoje, mesmo sofrendo transformações com o tempo, como é o caso das Medinas árabes, que historicamente concentravam as oficinas, lojas e mercados dentro das muralhas. Já outros espaços foram se transformando com o tempo. O Mercado de Trajano, por exemplo, resquício do século II do Império Romano, sobrevive hoje com usos diferentes, mas antigamente era ali que eram comercializados os alimentos da região. Já o império Bizantino herdou a comercialização de rua do Império Romano e instalou grandes feiras como as de Tessalônica e de Éfeso.
Enquanto agente de transformações urbanas, a atividade comercial se manteve como uma prática externa e com forte caráter coletivo durante muitos séculos. Os centros dos vilarejos, mesmo durante a Idade Média, reuniam em torno de uma praça os comerciantes e os consumidores. Com a Revolução Industrial e a transformação na forma de produzir alimentos e objetos, o comércio ganhou um espaço na urbanidade, uma edificação dedicada a essa atividade. As lojas com suas vitrines e os mercados marcaram novas formas de trocas, aumentando a disponibilidade de produtos.
As feiras de rua não deixaram de existir, principalmente por estarem fortemente conectadas ao campo, tanto que permanecem até hoje. No entanto, tornou-se comum a existência de ruas dedicadas exclusivamente ao comércio onde pode-se encontrar o tudo o que é necessário: mercado, farmácia, sapataria, costura, padaria, todas as habilidades concentradas próximas umas às outras. Assim, ainda que agora desenhada nas ruas dos centros, a atividade de comércio continuou externa e com fortes conexões públicas.
Até que a modernidade traz uma verdadeira inversão dessa relação. Com o avanço tecnológico atuando na indústria e nos transportes, surgem as grandes estruturas que centralizam o comércio de macrorregiões. Durante o século XX surgem os hipermercados e os shopping centers, megaestruturas que concentram dentro de um edifício fechado o acesso dos consumidores a alimentos e lojas. Essas megaestruturas tiveram grande impacto no antigo centro comercial das cidades e transformaram nossa relação com o consumo.
Esses grandes centros de compra estão normalmente localizados longe dos centros urbanos das cidades, em áreas originalmente pouco adensadas. Dessa forma, se antigamente a atividade comercial era o principal motor dos centros urbanos, sendo feita em espaços públicos como uma atividade social e cultural, com os shopping centers e hipermercados essa lógica se inverte e os antigos centros comerciais acabam entrando em decadência. Esse fenômeno pode ser identificado em muitas cidades de diversas partes do mundo, onde o acesso a bens de consumo passou a ser mediado por grandes edifícios pertencentes a empresas privadas localizados em zonas afastadas.
Enquanto a industrialização transformou o comércio de rua, a internet intensificou a cultura do consumo, com as compras online cada vez mais comuns na segunda década do século XXI, e provocou mudanças nos recentes shopping centers e mercados. Atualmente, a prática comercial se tornou uma atividade feita na web, sem a necessidade de sair de casa, de forma que o comércio transitou das megaestruturas privadas para o não espaço, perdendo sua qualidade socializadora, dependendo somente de uma rede logística de galpões que normalmente ocupam espaços ainda mais afastados dos centros urbanos.
O comércio é um dos agentes de mudança urbana, sendo fundamental no desenho e ocupação das cidades, de modo que todas as transformações vindas a partir de sua evolução impactam no tecido urbano. Se, por um lado, os shoppings e hipermercados resultaram na decadência dos centros comerciais urbanos, por outro, a internet e seu potencial de varejo fizeram surgir a necessidade de repensar o uso dessas megaestruturas comerciais. O comércio de rua, porém, resiste. Tem visto um renascimento a partir de pequenos negócios e da ideia de construir experiências com lojas físicas a partir de suas marcas, unindo a internet, o comércio de rua e a cultura contemporânea.
Nota do Editor: Este artigo foi originalmente publicado em 10 de fevereiro de 2023.